ENFIM, UM LAR!
  • 19/04/2022

ENFIM, UM LAR!

O texto abaixo apenas reproduz uma matéria veiculada pelo GCN, em seu site, na data 17/04/2022. A matéria pode ser acessada por aqui.

Enfim, um Lar

Migração do Hospital 'Allan Kardec' para 'casas de verdade' transforma vida de pacientes

Cinco casas espalhadas por Franca, cada uma dela com dez moradores: as Residências Terapêuticas resgatam os pacientes com alta do hospital e proporcionam liberdade e autonomia.

Receber alta do hospital é sempre uma boa notícia, mas em casos específicos, ela pode não representar tanta alegria assim. No Hospital Psiquiátrico “Allan Kardec”, mais de 100 pessoas deixaram de fazer apenas o tratamento e passaram a morar por anos na unidade de saúde. Isso porque, mesmo aptas a conviverem em sociedade, nenhum familiar voltou para buscá-las.

A partir desta percepção, Franca inaugurou entre o final de 2019 e o início de 2020, cinco Residências Terapêuticas. O serviço nada mais é que casas de verdade monitoradas por uma equipe multidisciplinar, onde os pacientes-moradores vivem com toda a autonomia e independência que puderem exercer.

O Serviço Residencial Terapêutico está dentro das políticas de saúde do SUS (Sistema Único de Saúde) e na cidade é gerenciado pela Fundação Espírita Judas Iscariotes. Cada uma das casas - Renascer, das Rosas, do Bem-Te-Vi, da Felicidade e das Borboletas - possui dez moradores e são divididas entre unidades femininas e masculinas.

O psicólogo e assistente social Bruno Florentino, coordenador das Residências Terapêuticas, explicou que a proposta do serviço é tirar os pacientes que já estavam liberados do tratamento do hospital e oferecer uma moradia digna e humana. Enquanto pacientes, os diagnósticos variavam entre esquizofrenia, autismo, dependência química ou deficiência física.


“O hospital não é um lugar pensado para se morar, então não é adaptado para isso. E quando eu falo, é em sentidos concretos mesmo, como não ter acesso ao guarda-roupa, não ter a opção de escolher um cardápio... Coisas simples da vida”, falou. “A rotina de um hospital é de uma instituição e o objetivo não é cuidar deles enquanto moradores, e sim como pacientes. Isso tem uma diferença”.

A rotina enquanto moradores nas residências terapêuticas é como a de qualquer pessoa: saem para caminhar, ir ao mercado, às compras, à igreja e até para trabalhar.

Apesar do acompanhamento de uma equipe compartilhada de psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, enfermeira e assistência 24 horas de um cuidador social e técnico de enfermagem, os moradores que têm um grau maior de independência vão sozinhos onde querem. Cada pessoa demanda um cuidado específico.


“A proposta é inseri-los novamente na sociedade, cada um dentro de suas condições. Temos muito do olhar individual. Às vezes, um morador que é mais dependente, a autonomia dele é trabalhada para poder começar a comer sozinho, por exemplo. Para outros, é pegar um ônibus”, disse Bruno.


A Prefeitura e o Governo Federal repassam o valor mensal de R$ 3.583,94 per capita para o atendimento aos moradores. A Fundação Allan Kardec, que atua como parceira da Judas Iscariotes com oficinas aos moradores, vai inaugurar outras cinco residências terapêuticas ainda neste semestre em Franca.

Os moradores

Mateus Ferreira, de 45 anos, esteve por 16 anos no Manicômio Judiciário de Franca da Rocha. Alguns anos ainda se somaram à permanência no “Allan Kardec” e, logo na inauguração das primeiras casas, ele se mudou do hospital.

“Eu mesmo, que sou alcóolatra, cheguei a pular o muro e fugir, mas o Bruno, que é gente boa comigo, viu que não estava certo. Eu mudei da Casa 1 para a Casa 5 e até hoje que eu estou aqui, eu melhorei muito, sou outra pessoa, é um outro ambiente”, disse.

Com dois metros de altura, há poucas semanas, Mateus foi assistir ao jogo do Sesi Franca Basquete. Além do passeio, ele participou de uma gincana e ganhou R$ 100. “Eu tentei acertar uma bola, joguei e ganhei. Foi bem legal”.

Mateus já perdeu os pais e hoje tem apenas a tia e a irmã. Em alguns fins de semana, ele deixa a casa para dormir na tia. Um ou dois dias depois, volta à residência terapêutica e sabe que aquele é seu lar.

Já Marcelo Luciano da Silva, de 42 anos, tem somente sua mãe, que é aposentada, e seu irmão gêmeo, o Márcio, que vive com ele na Casa Felicidade. Ao relembrar os anos, Marcelo demonstra a alegria em estar em um bom ambiente.

“Nós éramos muito desobedientes, sempre demos trabalho para a mãe. Hoje eu arrependo, mas está bom, graças a Deus eu fui acolhido neste lugar tão gostoso. Tudo que peço, eles fazem para mim. Se eu ficasse lá fora mais um pouco, eu já estava debaixo da terra”.

O irmão gêmeo de Marcelo trabalha durante o dia em uma das oficinas do Allan Kardec. Já ele, desistiu do emprego. “Eu também trabalhava, mas não quis mais”, disse, rindo.

Se no trabalho os gêmeos não compactuam da mesma vontade, no esporte sim. Os irmãos são corintianos e vibram juntos. “Me dou muito bem com meu irmão. Quando tem jogo do Corinthians nós assistimos”, falou Marcelo. Além do jogo, ele ama ouvir rádio e ir à igreja.

Na Casa das Rosas, a feminina, mora Isilda Silva Teixeira, de 55 anos. Ela ficou por oito anos no Allan Kardec e está há dois na residência. É amiga fiel de todas as outras moradoras que, em um clima de “café da tarde”, trocam conversas e sorrisos diariamente.

“Eu acordo cedo, tomo meu banho, passo meu creminho. Depois do almoço eu descanso lá na minha cama. Tem finais de semana que passo com minha madrinha, que é a responsável por mim, mas depois eu volto. Gosto muito de ficar em casa, sou muito feliz aqui”, comemorou Isilda.

Para Bruno, a diferença em cada um dos pacientes depois que deixaram o hospital é nítida. “O hospital acaba provocando a necessidade de um comportamento mais primitivo. Aqui eles já passaram a se adaptar de maneira mais sociável, são carinhosos, se preocupam com os outros, ajudam na limpeza. É clara a diferença”.

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